quarta-feira, 13 de março de 2013

Eleição do papa: O fascínio do segredo, por Armando Mendes

Religião

Qualquer jornalista daria um braço para poder acompanhar, rodada a rodada de votação, o que está acontecendo desde ontem à tarde na Capela Sistina. Em vão.
Ninguém sabe o que se passa (para compensar, em nenhuma outra eleição é tão fácil fazer previsões, das mais óbvias às mais ousadas: ninguém tem a menor obrigação ou o mínimo compromisso de acertar).
A fumaça preta que emergiu ontem da Capela Sistina revelou apenas que os cardeais ainda não elegeram o novo Papa. Não se esperava mesmo que ele fosse escolhido já, no primeiro dia do conclave.
A primeira rodada (ou escrutínio) permite uma avaliação de forças. E serve para as homenagens a figuras respeitadas, mas que não têm chance de conseguir a maioria dos votos.
Foi assim na eleição de Albino Luciani, o Papa João Paulo I, em 1978. O conclave começou a votar na manhã do dia 26 de agosto, um sábado (os 111 cardeais estavam fechados na capela Sistina desde a noite da véspera). Eram necessários 75 votos para eleger o Papa.
Segundo informações que vazaram depois do conclave, Giuseppe Siri, o candidato da Cúria e dos conservadores, teve 25 votos na primeira rodada. Luciani teve 23.

Foto: Arquivo

O italiano Sérgio Pignedoli teve 18 votos e os demais se dispersaram (o brasileiro Aloísio Lorscheider teve dois votos - um deles, diz-se, seria o do própro Luciani).
A vantagem de Siri era apenas aparente. Na semana anterior, o cardeal Giovanni Benelli, de Florença, tinha costurado uma aliança entre os cardeais renovadores - principalmente europeus não-italianos e latino-americanos - e alguns italianos moderados, de centro.
O objetivo era isolar os conservadores do grupo de Siri. Esses pretendiam desfazer os avanços do Concílio Vaticano II, promovido por João XXIII e Paulo VI.
Ganharam a primeira votação, mas Benelli, Lorscheider e os demais cabos eleitorais de Luciani sabiam que esse resultado não contava.
Estava combinado que os moderados dariam seu primeiro voto a Siri, em homenagem ao colega italiano, e que os renovadores do Terceiro Mundo também poderiam gastar votos de cortesia.
As coisas só começam a ficar quentes no segundo escrutínio. Neste, Luciani mais do que dobra seus 50 votos (algumas fontes falam em 53, outras em 55). Siri perde um voto e ficou com 24.
Pignedoli também cai e Lorscheider sobe para 12 votos. A aliança dos renovadores e dos moderados mostrava que tinha gás de sobra e os conservadores da Cúria percebiam que estavam isolados. Seu candidato batera no teto na primeira votação.
Almoço e sesta. Quando os cardeais recomeçam a votar, no meio da tarde, acontece o que os líderes da aliança anti-Siri tinham planejado.
No terceiro escrutínio, os eleitores de Lorscheider e Pignedoli (e mais alguns italianos moderados) correm para Luciani. Ele fica a cinco ou seis votos dos 75 necessários. Na quarta rodada de votação, finalmente, Luciani é eleito João Paulo I com cerca de 90 votos.
O núcleo duro dos eleitores de Siri - cerca de 20 cardeais - vota em branco, em protesto (pelo jeito, a Cúria desconfia até do Espírito Santo). E o brasileiro Lorscheider recebe um voto solitário até o fim. Todo mundo tem certeza de que foi o de Luciani.

Fonte: Blog do Noblat.

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