segunda-feira, 17 de junho de 2013

"O Estado é o último que pode perder a cabeça”

Manifestações em SP

O criminalista Márcio Thomaz Bastos divulgou, nesta segunda-feira (17/6), uma carta aberta assinada em conjunto com os advogados Luiz Armando Badin e Maíra Beauchamp Salomi sobre as prisões de manifestantes durante os recentes protestos contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo e em outras capitais.

Na carta, o criminalista e seus colegas observam que o papel das autoridades e agentes de segurança é justamente zelar pelo exercício da manifestação pública. Os advogados lembram ainda que apenas a polícia pode fazer uso da violência, mas que, mesmo assim, somente de “maneira legítima, proporcional e ordenada, isto é, sob o controle das autoridades eleitas para exercer tal responsabilidade”.

Para os advogados, os agentes do Estado tem o ônus de jamais poder ceder ao destempero ou irromper com ações irracionais, pelo contrário, em meio ao caos, são os primeiros que devem dar o exemplo.
“O comportamento arbitrário de alguns policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição, é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu próprio destino”, diz trecho da carta aberta.

Leia abaixo a íntegra da mensagem:

"O Estado é o último que pode perder a cabeça”

As autoridades de segurança pública têm a responsabilidade de proteger o exercício do direito constitucional de manifestação pacífica. A sociedade se organiza politicamente em torno do Estado para realizar a Constituição, não para negar os seus pressupostos mais fundamentais. Todos os cidadãos têm a liberdade de se reunir para manifestar politicamente as suas reivindicações (artigo 5º, inciso XVI)1.

Cumprindo o seu dever de informar, a imprensa noticiou amplamente que, nos protestos populares da semana passada, alguns policiais teriam se excedido no uso da força, realizando prisões arbitrárias e agredindo manifestantes e jornalistas que simplesmente exercitavam os seus direitos fundamentais: aqueles de expressar as suas ideias políticas, estes de manter a sociedade informada sobre elas.

Uma conduta só pode ser considerada criminosa se for descrita numa lei (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição). Ninguém pode ser preso se não estiver cometendo um crime (art. 5º, LXI)2. Ao que se saiba, não há nenhuma lei que proíba o “porte de vinagre” e o “uso de máscaras”, sobretudo quando se trata de proteger a própria integridade física.

As autoridades policiais estaduais não podem compactuar com detenções arbitrárias. Devem se ater, exclusivamente, aos casos de excessos individuais. É oportuno recordar que, quando o povo brasileiro saia às ruas para reconquistar o direito de eleger os seus próprios governantes, roubado pela ditadura, alguns manifestantes eram marcados com tinta, para serem “averiguados” e detidos mais adiante.
Isso não pode voltar a acontecer.

Bem ao contrário. Hoje, proibido é abusar da violência (art. 129 do Código Penal), por uma razão muito simples. Só a polícia pode empregá-la, desde que de maneira legítima, proporcional e ordenada, isto é, sob o controle das autoridades eleitas para exercer tal responsabilidade.

Caso elas falhem, sempre se pode pedir o amparo do Poder Judiciário, por meio do habeas corpus. Ele existe na Constituição justamente para assegurar a livre circulação dos brasileiros e para protegê-los contra todas as formas de excesso de poder.

Além de tecnicamente cabível, é correta a iniciativa dos estudantes, organizados em torno de seus centros acadêmicos, de impetrar medida judicial para prevenir que novos abusos e violências voltem a acontecer.

É óbvio que o texto da Constituição já assegura ampla proteção aos cidadãos, em novas manifestações pacíficas. Os fatos revelam, contudo, que esses direitos foram recentemente pisoteados. Quando há razões concretas para temer, a Justiça não pode se omitir na contenção da brutalidade.

O comportamento arbitrário de alguns policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição, é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu próprio destino. Delas se espera que estejam preparadas para enfrentar situações de tensão, por meio de treinamento adequado.
O Estado é o último que pode perder a cabeça."

MÁRCIO THOMAZ BASTOS, LUIZ ARMANDO BADIN e MAÍRA BEAUCHAMP SALOMI são advogados que trabalham na cidade de São Paulo

1 “Artigo 5º, inciso XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
2 Art. 5º LXI: “ninguém será preso, senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (…).
Revista Consultor Jurídico, 17 de junho de 2013


Atrevo-me a ponderar, como subscritor do blog: "O Estado é o único que não pode perder a cabeça", e não "o último que pode perder a cabeça", como alerta o renomado jurista.

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