domingo, 11 de agosto de 2013

Discursos na área jurídica têm regras próprias

O profissional do Direito é tido como alguém que gosta de falar. Esta concepção está presente no imaginário popular, muito embora nem sempre corresponda à realidade. Se amigos de infância se encontram, se no velório se pede que alguém faça uso da palavra, provavelmente o escolhido será um bacharel em Direito.

Todavia, os discursos jurídicos têm regras próprias a serem observadas. Nem sempre conhecidas, elas acabam sendo decisivas no sucesso do orador e geram reflexos na sua vida profissional. Regra geral, as pessoas identificam um bom advogado naqueles que se expressam bem, com facilidade.

O preparo do profissional do Direito para falar deve começar na faculdade. As aulas tradicionais, em que o professor fala e os alunos ouvem, estimulam a timidez. O professor deve incentivá-los a se expressarem. Por exemplo, passando um tema polêmico e chamando à frente os estudantes para discuti-lo, atribuindo-lhes um ponto na nota. No ato poderá fazer observações sobre o tom de voz, expressão corporal, uso das mãos, ajudando-os a superar os obstáculos. Ali é o local onde errar não é vergonha, todos estão aprendendo.

No passado, os discursos eram registros de uma época, retratavam a economia, a sociedade local, a forma de fazer Justiça e outros detalhes. Mostravam a erudição dos oradores e eram precedidos de aprofundada pesquisa. Um exemplo: Flávio Torres, em oração homenageando o desembargador Ferreira França, reproduz carta de Monteiro Lobato, então promotor de Justiça em Areias, no Vale do Paraíba paulista, na qual o escritor retrata a cidade que ele encontrou em 1907. “Vim ver se Areias existia e fiquei. Areias, Rangel! Isto dá um livro à Euclides (e, por falar, Euclides passou uns tempos aqui, ocupando exatamente o quarto que é meu). Areias, tipo de ex-cidade, de majestade decaída. A população hoje vive do que Areias foi” (TJ-SP, Páginas de sua história centenária, 1979, página 213).

Atualmente, os discursos são mais objetivos, informais e direitos. E todos passam por algumas regras básicas. A primeira elas é a de que um discurso ou uma sustentação oral devem ter uma sequência lógica. Saudação, introdução, meta e conclusão. Isto evita aquelas orações que vão e voltam aos mesmos aspectos, provocando sonolência geral. Vejamos na sequência.

A saudação dispensa a menção aos nomes de todos que representam isto ou aquilo, já nominados pelo cerimonial. Além de cansativo, perdem-se minutos preciosos e cria-se impaciência na plateia. Basta citar a autoridade mais importante e, a seguir, valer-se da clássica frase: “e demais autoridades já mencionadas”. Na introdução menciona-se qual o tema do discurso, o foco da manifestação (a inauguração de uma biblioteca, por exemplo).

Na meta aprofunda-se, relata-se, explica-se. Este é o momento de maior importância, em que o orador coloca toda a carga de suas ideias, convicções. Não precisa ser minucioso, como aqueles que ao saudar um juiz que ascende ao Tribunal de Justiça começam pela primeira comunhão do homenageado e vão até a data da posse como desembargador, obrigando todos a ouvir o extenso rol de comarcas onde ele atuou. É demais.

A conclusão é a etapa final. Deve ser simples, direta e conclamar a alguma atitude. Esta é a mensagem que ficará gravada na mente dos presentes. Por exemplo, um presidente de uma subseção da OAB pode encerrar o discurso chamando todos a lutar pela reivindicação mais importante de sua manifestação (como a criação da 2ª Vara da comarca, por exemplo).

Qual o tempo de um discurso? No passado, indeterminado. Não se tinha muito a fazer há 40 ou 50 anos. A vida seguia mansa, as pessoas encerravam o expediente às 18h, à noite se faziam visitas. Neste clima justificavam-se discursos que eram verdadeiras peças literárias, bons no fundo e na forma, ainda que às vezes exagerassem um pouco nas virtudes dos homenageados.

Atualmente, penso que devem ficar em torno de 20 minutos. Todos têm compromissos em excesso. Além disso, os mais jovens não estão habituados à comunicação oral, nasceram em contato com o mundo digital. Não é à toa que a internet transmite excelentes palestras no TED (www.ted.com) com a duração de 20 minutos. Com certeza, estudos precederam a fixação deste limite.

O que deve constar em um discurso? O que realmente importa?

No mundo atual seria impossível o orador descer a detalhes que exigem tempo e privacidade. O tempo é curto. Ainda assim, dependendo do local e do tipo de evento, é importante uma investigação prévia. Por exemplo, se o presidente de um Tribunal vai inaugurar uma vara no interior, é recomendável que saiba e fale um pouco da história do município e da região.

Uma pitada de literatura, uma passagem histórica, menção a passagem bíblica, tudo isto pode enriquecer a exposição. Naturalmente, desde que adequadas às circunstâncias de local, tempo, plateia e outros detalhes.

É essencial que o orador acredite no que fala. Isto dá consistência ao seu discurso, transmite-se de forma velada aos que o assistem. Da mesma forma, é importante limitar-se à razão do evento, não tendo sentido, em uma posse de delegados substitutos, o orador da turma aprofundar-se em considerações sobre a espionagem internacional, tema muito distante de suas futuras atividades.

O orador deve analisar a plateia, como pensam e agem aquelas pessoas. E também olhar para todos e não apenas para parte dela. Se ele mira apenas para o lado direito do auditório, os que estão do lado esquerdo se sentirão abandonados, não gostarão. Além disso, olhando a todos ele conseguirá manter por mais tempo a atenção.

Envolver-se com o público também é uma técnica moderna. A sociedade, em todos os níveis e locais, deseja maior participação. Assim, o orador atual pode interagir com a plateia, contando casos reais, mencionando o nome de alguém na assistência ou até fazendo uma pergunta. Esta última prática exige cautela, pois alguém pode, a pretexto de dar uma resposta, fazer um discurso paralelo.

A utilização do humor pode enriquecer o discurso, desde que feito de forma refinada e com habilidade. Piadas não devem vulgarizar o discurso a pretexto de alcançar-se informalidade. Humor agressivo ou pejorativo, nem pensar. Sintetizando, uma pitada de humor pode ser útil, mas isto nem sempre é fácil. Se o orador não tiver habilidade, melhor evitar.

A tecnologia pode auxiliar uma exposição. Passar lâminas em Power Point pode servir para que a mensagem seja transmitida com mais força. Por exemplo, uma homenagem a um aluno da Faculdade de Direito que se destacou e elevou o nome da entidade, pode começar com foto dele festejando o ingresso. Em um mundo que valoriza, cada vez mais, as imagens, não há porque recusá-las, muito embora seja necessário comedimento na exibição.

Emoções cabem em um discurso, porém com discrição. Nada há de errado em alguém que assume uma posição importante agradecer aos seus pais. Porém, é de mal gosto aproveitar o momento para mandar mensagens a todos os familiares, colegas, empregados e à avó, nominando um a um. Isto deve ficar restrito às relações privadas.

Finalmente, o tom de voz. Ninguém aguenta aquelas leituras monocórdicas, que falam no mesmo tom do fato mais banal ao mais glorioso, com absoluta falta de entusiasmo.

Estes e outros detalhes são essenciais para que alguém transmita suas ideias, seja em uma festividade informal, em uma solenidade ou até mesmo em uma sustentação oral em um Tribunal. Dominá-los pode fazer a diferença.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico,

Nenhum comentário:

Postar um comentário